Cargos do Judiciário e Gratidão

O Judiciário é um poder e como tal não deveria depender, sob qualquer modo, de outro poder de estado. Infelizmente, não é o que acontece.

No primeiro grau de jurisdição o acesso aos cargos de juízes se dá através de concurso público de títulos e provas. Trata-se de forma mais democrática de investidura nas funções. Em regra, não há discriminação na aferição das qualidades para assumir como juiz. Se o candidato está preparado e é aprovado nas provas poderá tornar-se magistrado. Não há negar que em alguns estados da federação filhos de desembargadores conseguem aprovação para exercer as atribuições de juízes de direito com mais facilidade.

O problema começa nas promoções aos tribunais de cassação, que constituem o segundo grau de jurisdição (TJ, TRF, TRT). Se a promoção for por antiguidade não há problema, mas se for por merecimento, feita a lista tríplice para o acesso ao cargo, os candidatos têm de começar as visitas a políticos, que farão pressão perante o chefe do poder executivo a quem cabe a indicação do vencedor.

Mas o pior, ainda nessa fase da carreira, é a indicação do chamado quinto constitucional, que são vagas reservadas nos tribunais a membros do ministério público e a advogados. Estes já para serem indicados pela OAB ao tribunal, que fará a lista tríplice para escolha pelo executivo, têm de ter apoio político desde o primeiro momento, ou seja, na manifestação de interesse diante da OAB. Advogados que chegam aos tribunais, como se diz vulgarmente, têm as costas quentes. E isso é extremamente nocivo ao Judiciário, porque esse mesmo poder político que leva os advogados para os tribunais de cassação é o que, depois, indica os mesmos para os tribunais superiores na vaga de juízes (STJ, TST).

No STJ, por exemplo, existem muitos ministros que são advogados originalmente. É que um percentual desse tribunal é reservado para advogados e, nas vagas reservadas a juízes, vão os advogados que acessaram nessa condição aos tribunais inferiores. Disso resulta que os juízes de carreira, aprovados em concurso público, têm oportunidade bem menor de promoção na carreira.

Para que isso fosse modificado seria necessário que os políticos criassem leis que afetariam seu poder de interferir na composição do Judiciário. Ninguém renuncia poder, em especial num país do nível de cultura e civilização como o Brasil. Logo, a situação esdrúxula nunca acabará.

O acesso aos tribunais superiores (STJ e TST) demanda ainda maior capacidade dos juízes de captar a simpatia dos ministros das cortes para indicação da lista tríplice. Disso decorre que a presença em Brasília é importante. Presidentes dos tribunais inferiores costumam viajar constantemente para Brasília a fim de serem notados em suas atuações. A presidência dessas cortes, muitas vezes, serve de trampolim para concorrer a vagas nos tribunais superiores. Só que isso implica o abandono da administração eficaz que as funções do cargo exigem.

 Depois de tal fase, com a elaboração da lista tríplice, começa a peregrinação aos ambientes políticos (governadores, deputados, senadores etc.). O apadrinhamento político é inerente para o acesso aos tribunais superiores.

Para a Suprema Corte do país as coisas se passam de forma peculiar. Aí não existe promoção por carreira. O presidente da república é livre para nomear quem bem entender, respeitados requisitos objetivos (idade) e subjetivos (notável saber jurídico). Nesse território o poder político do candidato tem de chegar ao extremo. E, exatamente por isso os escolhidos, seguidamente, têm de se submeter ao fenômeno da gratidão, ou seja, decidir de acordo com os interesses de quem o nomeou. Fragilização indiscutível do real poder jurisdicional.

Como modificar tudo isso? Impossível, porque qualquer proposta que mexer com os interesses dos políticos ou dos magistrados apoiados por eles, acaba por descer ao arquivo. O Brasil é um país pobre culturalmente, o que não é estranho ao mundo jurídico. Juristas de renome em nosso país resumem-se no máximo aos dedos de duas mãos, cabendo a pergunta: quantos desses ascenderam ao Supremo Tribunal Federal? Obviamente, existem exceções honrosas, como se observa na atual composição da Suprema Corte, acentuando-se a magnífica presença feminina, que esbanja discrição, honestidade, convicção e independência.

Fábio Bittencourt da Rosa
  Advogado/RS