JUSTIÇA ELEITORAL: COMPETÊNCIA E TITULARIDADE

Discute-se, atualmente, o problema da conexão entre crimes sujeitos à competência da justiça eleitoral e da justiça comum. A questão ganhou relevo com o problema causado pelos julgamentos da chamada operação “lava jato”.

Por outro lado, pretende-se que juízes federais atuem em processos penais pendentes na justiça eleitoral, quando houver conexão com crimes sujeitos à jurisdição federal.
O STF já julgou que, havendo conexão entre crime eleitoral e outro cuja competência for atribuída à justiça federal, prevalece a competência da justiça eleitoral.
Foi simplesmente aplicado o art. 78, inciso IV, do Código de Processo Penal, que não demanda mais do que uma interpretação literal para solução do problema sobre a competência absoluta:


“ Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:  IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.”


A Constituição define e distribui a competência para o exercício da função jurisdicional, criando especializações que têm de ser respeitadas. Quer dizer: atribui competências especializadas como a justiça do trabalho, eleitoral, militar e do júri. Ninguém, se não o juiz competente por atribuição legal, pode exercer jurisdição que não se inclui no poder jurisdicional no qual foi investido. Como um juiz eleitoral poderia julgar uma ação trabalhista, ou como um juiz do trabalho poderia decidir um processo penal relativo a crime eleitoral?

Há uma presunção de que o juiz em matéria especializada terá maior experiência e conhecimento para julgar os processos de tal área de jurisdição. Daí a opção política do criador da regra, que só pode ser o constituinte ou o congresso, no sentido de limitar o poder jurisdicional aos magistrados que a lei indicar.

Dessa maneira, a competência dividida por matéria será absoluta, não podendo ser exercida por outro magistrado se não aquele indicado pela lei. O oposto da jurisdição especializada, numa linguagem acaciana, será a comum. E tal jurisdição é exercida no Brasil pelos juízes de direito que têm competência para julgar toda e qualquer matéria não sujeita à justiça especial. A competência dos juízes de direito será, em regra, fixada pelo lugar da ocorrência dos fatos e não pela matéria posta na lide.

Quando se resolveu criar a justiça federal, excepcionou-se a competência dos magistrados estaduais tão somente em relação a determinadas pessoas: União, autarquias federais, etc. Isso significa que se criou uma nova justiça comum: a federal. Esta julgaria todas as matérias, desde que num dos polos da lide estivesse uma entidade federal (competência ratione personae). Óbvio o interesse do sistema de retirar o poder dos estados de julgar os conflitos em que estivesse envolvida a União. Foi uma das medidas resultantes da centralização do poder político e econômico nas mãos da União.


Por tal modo, poderíamos dizer que existem duas justiças comuns no Brasil: a estadual, que julga todo tipo de lide, e a federal, que também julga todo tipo de lide, desde que esteja na relação processual uma entidade federal ou representante dos interesses da União. Fora da jurisdição desses dois órgãos jurisdicionais estarão as questões relativas a direito trabalhista, eleitoral, militar ou do júri.

Então, não resta dúvida de que a justiça eleitoral é especial em relação à justiça federal, aplicando-se o citado artigo 70, IV, do CPP sobre competência na hipótese de conexão.

Correta, portanto, a decisão do Pretório Excelso quanto ao ponto. Qual a decorrência dessa decisão? Parece claro que a consequência é a nulidade de todo e qualquer processo em que haja conexão entre crime eleitoral e aquele sujeito à justiça federal e que por esta tenha sido julgado. O CPP alinha entre as nulidades o seguinte:

“ Art. 564.  A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;”

Havendo incompetência absoluta a nulidade será insanável, porque o juiz terá exercido jurisdição para a qual não foi investido, ou seja, não tinha poder para exercer suas funções no processo. Nulo o processo impor-se-á a declinação da competência para o juízo adequado que, no caso em apreço, é a justiça eleitoral. A instrução, conforme o caso poderá ser aproveitada, mas todos os atos decisórios serão nulos.

Por outro lado, poderão os juízes federais exercer jurisdição eleitoral? Isso somente será viável se for mudada a lei. O art. 36 do Código Eleitoral e o art. 11, parágrafo 2 o da Lei Complementar 35/79, atribuem tal competência exclusivamente aos juízes de direito. Assim, não pode o Judiciário afrontar a letra da lei nem garimpar qualquer subterfúgio interpretativo para desacatar a norma.

Essa insistência em se limitar a competência dos crimes da operação “lava jato” à Justiça Federal parece um inequívoco desprestígio da Justiça Estadual.

Fabio Bittencourt da Rosa
Advogado/RS

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