Juiz Natural e Jurisdição

Antigamente, não havia qualquer garantia para as pessoas que viviam sob o domínio do arbítrio. Quem detinha a riqueza e o poder julgava como queria, através de representantes nomeados, que simplesmente executavam o pensamento e a orientação de seus senhores.

Na Inglaterra, através da Constituição de 1215 aparecia o primeiro sinal de limitação dessa prepotência, mas limitado à nobreza. Foi com a Revolução Francesa, por legislação de 1790, que começou a abolição dos tribunais de exceção.

O juiz natural constitui uma garantia constitucional no Brasil, que está descrita nos incisos XXXVII e LIII do artigo 5 o da Constituição de 1988. Quando uma ação judicial é ajuizada, deve ser distribuído o processo para um juízo, que está definido previamente por lei. Por isso existe uma justiça comum (estadual) e outras especializadas, seja em razão da pessoa (justiça federal) ou da matéria (justiça eleitoral, do trabalho e militar).

Portanto, a questão do juiz natural no Brasil vem regulada por uma legislação que implica a obediência à garantia constitucional. Não existem tribunais ou juízos de exceção, embora haja hipóteses discutíveis como a criação de varas especializadas em crimes financeiros na Justiça Federal. Isso foi feito por ato administrativo frontalmente contrário à lei processual penal.

Todavia, o exercício da jurisdição caracteriza uma das bases do poder estatal, que se divide em administrar (executivo), legislar (legislativo) e julgar (judiciário). Dizer o direito, ou seja, declarar a incidência da lei para dirimir a controvérsia do caso concreto, constitui poder exclusivo atribuído aos magistrados.

O acesso ao cargo incumbido de administrar (presidente, governadores, prefeitos) ou criar leis (senadores, deputados federais ou estaduais e vereadores) depende de votação popular. Entretanto, isso não acontece com os juízes. Estes, para terem garantido seu acesso aos cargos da magistratura, dependem de aprovação em concursos públicos de provas e títulos. Normalmente, são concursos muito difíceis, bastando analisar o percentual de aprovados entre os inscritos em qualquer certame no país.

Logo, presume-se que o poder de dizer o direito, isto é, de executar a jurisdição, somente pode ser exercitado por um magistrado aprovado em concurso e nomeado para o preenchimento do cargo. Presumidamente, somente ele terá as condições exigidas como garantia para os cidadãos para emitir decisões no processo.

Isso, infelizmente, permanece estritamente no plano teórico. Juízes, em qualquer nível de jurisdição, desde a primeira instância até a Suprema Corte, julgam pouco ou quase nada. Basta constatar a informação do Conselho Nacional de Justiça para concluir assim. Tramitam no Brasil cerca de 80 milhões de processos. Em 2017 já admitia o CNJ que a defasagem de julgadores era de 19,8%.

Nos cartórios e secretarias é muito difícil um advogado ser recebido por um juiz. As estatísticas revelam um total de julgamentos incompatível com o número de magistrados responsáveis pelas decisões. Nos tribunais, há sessões de julgamento duas ou três vezes por semana, quando são apreciados centenas e até milhares de recursos. Nas Cortes Superiores isso também acontece e, além disso, o que se vê é a constante presença de ministros em congressos, palestras ou seminários.

Afinal de contas, quem julga no Brasil: juízes ou servidores? Justificar que o trabalho destes é fiscalizado pelo magistrado soa como um argumento bastante frágil.

De tudo se conclui que a jurisdição brasileira, escassamente, está sendo exercida por juízes. Aos advogados somente resta suplicar aos servidores para a defesa dos interesses de seus clientes. E isso gera graves problemas como qualquer um poderá imaginar.

FÁBIO BITTENCOURT DA ROSA
Advogado/RS

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