Limites Necessários ao Poder Judiciário Brasileiro

Tramita no Senado o Projeto de Lei da Câmara n o 79/2018 em que se limita o poder do Supremo Tribunal Federal, no sentido de disciplinar a concessão de decisões monocráticas de natureza cautelar na ação direta de inconstitucionalidade e na arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Essa questão ganhou força no exato momento em que o pleno da Suprema Corte modificou o entendimento do relator, que impedia venda de subsidiárias de empresas estatais. A liminar foi concedida, impedindo as transações reputadas necessárias à economia, mantendo-se o respectivo processo parado por quase um ano, já que o provimento liminar se deu em 27 de junho de 2018. O relator restou vencido.

Esse PLC 79/2018, porém, é bastante tímido porque o poder das decisões monocráticas nos tribunais deveria ser amplamente limitado.

Os tribunais existem apenas para garantir a justiça diante dos julgamentos individuais de juízes de primeiro grau. Portanto, o princípio da colegialidade é fundamental em suas decisões. Presume-se que várias cabeças possam proferir melhores sentenças. Logo, contraria a utilidade de iniciativa de criação de colégios jurisdicionais o estímulo a decisões individuais de seus juízes. Decisão monocrática em tribunal tem que ser algo excepcional.

Todavia, no Brasil esse princípio da colegialidade vem sendo desrespeitado, especialmente nos tribunais superiores. No Superior Tribunal de Justiça as decisões dos recursos especiais, em regra, são monocráticas. A parte prejudicada agrava e a questão é levada ao colegiado (turmas), onde prevalece o pacto de ratificação incontinenti de tais despachos individuais. Com isso os ministros evitam as sustentações orais, dificultando a defesa. E o pior é que a OAB nada faz para contrapor-se a essa prática nociva ao trabalho dos advogados.

Porém, no Supremo Tribunal Federal é que as coisas pioram sensivelmente. É que esta Corte julga os principais temas jurídicos que interessam ao país. Se sua competência é a de zelar pela integridade da Constituição e esta é uma colcha de retalhos, por certo tudo vai para o STF e este filtra o que lhe interessa julgar. Os demais tribunais superiores em Brasília perderam sua importância.

Nos últimos tempos temas de relevância foram apreciados pela Suprema Corte e concedidas liminares pelos ministros, permanecendo parados os processos por anos sem que fossem levados às turmas ou pleno para julgamento. Duas questões podem ser apontadas como simbólicas dessa anomalia do poder individual concedido aos ministros do STF.

Na ACO 2511 foi relator o Ministro Luiz Fux. Concedida liminar para mandar pagar o auxílio moradia a todos os magistrados brasileiros, sem desconto de imposto de renda por tratar-se de verba indenizatória. Pois bem, tal decisão afrontou o contido na Súmula 339 do STF, que dispõe: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”.

Essa liminar nunca foi levada para exame do plenário do STF, porque era evidente a orientação contrária da maioria da Corte. Despesas orçamentárias são decididas pelo Executivo e Legislativo, jamais pelo Judiciário. Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça criou novo auxílio moradia para juízes, por decisão administrativa, que, obviamente, desacata a citada súmula 339 (atual súmula vinculante 37).

Milhões de reais foram gastos com o pagamento ilegal do auxílio moradia e nunca a liminar do Ministro Fux foi a plenário para ser examinada. Os processos que tratavam dessa matéria foram extintos, em razão do pacto sobre aumento dos subsídios dos membros do STF.

Outro exemplo negativo quanto ao poder individual dos ministros do Pretório Excelso para conceder liminares é o da ADI 5874, em que foi relator o Ministro Roberto Barroso. O presidente Temer editou um decreto de indulto de natal em 2017 e o referido magistrado concedeu liminar, limitando a eficácia de tal decreto e, em verdade, praticamente criando uma nova norma. Em 2019, a maioria do STF decidiu que a iniciativa para criar o benefício aos presos com o chamado indulto de natal constitui poder exclusivo do presidente da república. A liminar foi cassada. Entretanto, as pessoas que poderiam ter usufruído do benefício daquele decreto em 2017, ficaram esperando que o Ministro Barroso levasse o processo a plenário onde foi proferida decisão diversa do conteúdo do provimento provisório. Prejuízo irreparável à liberdade de cidadãos decorrente do poder de decidir monocraticamente por um magistrado da Corte Suprema.

Limitar o poder dos integrantes de tribunais no sentido de proferir decisões monocráticas não é inconstitucional. A própria constituição impõe esse limite ao presidente da república para editar medidas provisórias em matérias urgentes, devendo haver ratificação do Congresso Nacional em 120 dias, sob pena de perda de eficácia.

Bastaria, portanto, uma modificação do Código de Processo Civil no sentido de que qualquer decisão individual de membro de tribunal teria validade limitada a um tempo a ser decidido pelo criador da regra. Passado tal período, sem a apresentação do processo para ratificação do órgão colegiado competente, perderia validade a decisão monocrática.

Fábio Bittencourt da Rosa
Advogado/RS