Justiça ou Vingança

Quando alguém perde um filho, marido, pai ou mãe em virtude de um ato criminoso, realmente isso se transforma numa tragédia na existência da pessoa. Ter interrompida a vida de alguém que se ama certamente agride o mais íntimo de qualquer um.

O luto, em tais casos, tem uma conotação especial porque vem acompanhado pela indignação e pela raiva. Muito difícil perdoar.

Então, decorrido o reflexo imediato do trauma, inicia-se a ação das autoridades para investigar, instaurar o processo e julgar o autor do delito.

Em certos casos, a imprensa intervém e de forma reiterada e sistemática noticia os acontecimentos, mantendo a antipatia popular contra os pretensos autores da ação. Em verdade, nas hipóteses de júri, em que a decisão é de um conselho formado por cidadãos que não são juízes, o noticiário exerce um condicionamento inegável. Observe-se que a decisão de um jurado é “sim ou não”. Quer dizer, não precisa motivar nada, como se exige numa decisão proferida por um magistrado. 

Nos casos em que a imprensa resolve intervir para condenar, como existem inúmeros exemplos em nosso país, o julgamento na verdade transforma-se em real “crônica de uma morte anunciada”. Condenação certa com penas muito altas, porque a pressão sobre o juiz ou jurados é eficaz.

Mas o que mais importa analisar, nesse contexto, é o limite do sentimento de justiça e o desejo de vingança por parte dos familiares. Não é incomum ouvir dos mesmos, após a pesada condenação, ter “sentido um alívio” com a decisão.

O que isso representa: justiça ou vingança?

Uma decisão judicial não traz de volta o ser amado. O vazio permanece. Parece que o indivíduo quer dividir sua amargura: é insuportável a dor e, então, a condenação tira de si um peso e coloca nas costas do condenado. Isso alivia, diminui o desespero. Só que esse não é o sentido e a finalidade da sanção criminal.

Pois bem, disso tudo pode resultar uma injustiça com condenação indevida, não só no que diz respeito ao crime imputado como em relação às extensas penas de prisão arbitradas.

Em geral, o problema diz respeito à distinção entre crimes dolosos e culposos. No crime com dolo o sujeito quer matar (dolo direto) ou, não querendo diretamente matar, assume o risco de fazê-lo (dolo eventual). No crime com culpa a morte deriva da desatenção, da falta de cuidado do acusado, seja por imperícia (mal sabe dirigir um carro), negligência (anda com o veículo sem freios) ou imprudência (dirige com excesso de velocidade). Na culpa consciente a censura está na crença imprudente e equivocada de que tem a possibilidade de evitar o resultado previsto.

Porém, onde está o limite entre a culpa e o dolo eventual? 

A diferença está no seguinte: no dolo eventual o sujeito sabe que é provável que a ação que empreende pode resultar em dano criminoso e, mesmo se tivesse certeza de que o resultado ocorreria, não desistiria, seguiria adiante. Por exemplo, o motorista apressado para encontrar o filho doente, depara com um protesto que impede sua passagem, e avança ferindo várias pessoas. Não queria ferir, mas se tivesse dúvida sobre a possibilidade de isso ocorrer, teria seguido adiante. A anuência quanto ao resultado é igual, penalmente, à vontade de causá-lo. Na culpa, se tivesse previsto a possibilidade da lesão teria parado.

Limite extremamente sensível. Só que, em matéria penal, a dúvida favorece o acusado, já que condenação penal pressupõe certeza quanto à existência, à autoria e à culpabilidade do delito.

Entretanto, há processos penais em que a imprensa impregna de tal modo o ânimo da população que os jurados têm até medo de absolver ou desclassificar a acusação.

Logicamente, isso satisfaz espírito de vingança mas não sentimento de justiça.

Por fim, tem-se condenado muito mais pela gravidade do resultado do que pelo ânimo criminoso do delinquente. Outro grande erro. Consequências nefastas do crime motivam agravamento da pena imposta, jamais reconhecimento indevido sobre a autoria ou culpabilidade. 

Ultimamente, é tanto o rigorismo penal que juízes chegam a temer ao proferir uma absolvição. Porém, não é essa a coragem que se deve esperar de um magistrado que honra sua toga. A nobreza de um juiz é não admitir que sua convicção se dobre a nada, nem como agradecimento a quem o nomeia, nem o medo, nem a vontade de obter vantagem.