Podem os ministros do STF desistir das férias?

Neste janeiro de 2021, alguns ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal resolveram não tirar férias. Quer dizer, seguiram exercendo sua jurisdição no tribunal. O fato é público, isto é, há uma desavença no entendimento do presidente da Corte e um grupo de magistrados no que diz respeito a determinadas matérias. Desse modo, para evitar que o presidente decidisse em plantão do recesso do tribunal sobre tais matérias os ministros resolveram prosseguir seu trabalho, desistindo de gozar férias.

A questão é a seguinte: podem ministros do STF deixar de usufruir das férias no recesso da Corte, que sempre ocorre em julho e janeiro?

A Lei Orgânica da Magistratura disciplina as férias dos juízes:

       “Art. 66 – Os magistrados terão direito a férias anuais, por sessenta dias, coletivas ou individuais.

        § 1º – Os membros dos Tribunais, salvo os dos Tribunais Regionais do Trabalho, que terão férias individuais, gozarão de férias coletivas, nos períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho. Os Juízes de primeiro grau gozarão de férias coletivas ou individuais, conforme dispuser a lei.

        Art. 68 – Durante as férias coletivas, nos Tribunais em que não houver Turma ou Câmara de férias, poderá o Presidente, ou seu substituto legal, decidir de pedidos de liminar em mandado de segurança, determinar liberdade provisória ou sustação de ordem de prisão, e demais medidas que reclamam urgência.”

Portanto, os membros dos tribunais superiores haverão de tirar férias em julho e janeiro de cada ano. A regra visa a evitar que esses magistrados gozem de férias individuais, desfalcando as turmas onde devem julgar. A mudança constante da composição das turmas resultaria em modificação de sua orientação jurisprudencial, causando instabilidade inevitável e prejudicial à previsibilidade das decisões.

Então, o período de descanso desses juízes não é apenas um direito, mas também um dever. Em verdade, uma prerrogativa e, diga-se de passagem, uma prerrogativa interessa mais ao povo jurisdicionado do que ao magistrado que se recompõe no período de repouso. Presume-se que juízes estressados decidam mal o que impõe um prejuízo à nação. Uma prerrogativa não é disponível, ou seja, não pode o magistrado exercer arbítrio sobre o período em que gozará do direito a férias, a não ser que a lei assim o permita.

A LOMAN prevê a exceção para as férias coletivas:

“ Art. 67 – Se a necessidade do serviço judiciário lhes exigir a contínua presença nos Tribunais, gozarão de trinta dias consecutivos de férias individuais, por semestre:

        I – os Presidentes e Vice-Presidentes dos Tribunais;

        II – os Corregedores;

        III – os Juízes das Turmas ou Câmaras de férias.”

Por tal modo, o ministro do STF somente poderá decidir trabalhar no recesso forense dos tribunais se respeitar a exceção do citado artigo 67 da LOMAN. Poder vinculado, portanto.

No STF não existe corregedoria. Logo, somente o presidente ficará trabalhando nos meses de julho e janeiro. Os demais membros devem sair em férias. 

Disso decorre, que apenas o presidente do STF mantém poder jurisdicional nos meses de recesso. E juiz que decide sem tal poder emite decisões inexistentes, não apenas nulas. Logo, os ministros que permaneceram trabalhando em janeiro de 2021 praticaram atos sem qualquer efeito no mundo jurídico. Não tinham jurisdição.

A questão, todavia, somente poderá ser examinada e decidida no âmbito do STF em sua composição plena. Entretanto, se quatro ministros incidiram no erro, logicamente já quase fizeram maioria para decidir a dúvida. Na verdade, se alguém alegar o vício administrativo do trabalho irregular em férias, provavelmente o requerimento será arquivado pela Presidência, ou, sendo admitido, dificilmente será levado a julgamento e, se isso acontecer, a decisão ficará nas mãos dos que praticaram a irregularidade.

Essa é mais uma evidência do poder exercido pelos ministros do STF, que praticamente são imunes à jurisdição. Não são controlados por qualquer órgão ou poder. Mudanças nas regras que limitariam esse poder absoluto caberia ao Legislativo, mas os meandros do poder político sempre embaraçam, atrasam ou anulam qualquer tentativa nesse sentido. Sem contar o temor do parlamentar de ser acusado e cair nas mãos de magistrados com tal nível de poder.

Fábio Bittencourt da Rosa
Advogado/RS