Judiciário e Política

Oportuna a colocação de Henry David Thoreau: “Os homens hão de aprender que a política não é a moral e que se ocupa apenas do que é oportuno”.

Numa democracia o povo elege seus representantes para que estes se dediquem a criar o ambiente estável numa sociedade. Suas mentes haverão de estar ocupadas com a melhor opção política a fim de estabelecer uma norma de conduta clara, útil e, especialmente, com capacidade de aplicação.

Aos políticos outorgam-se os poderes para perambular em meio à fluidez dos mais complexos significados da vida a fim de criar boas leis. A eles incumbe descobrir o oportuno para a sociedade.

Portanto, o poder de decidir sobre a melhor regra de comportamento pertence apenas ao legislador. Esse é o limite que não pode ser ultrapassado pelos outros poderes de estado.

Ao Judiciário, ao contrário, atribui-se a missão estatal de analisar a situação de fato que lhe é trazida à apreciação, declarando a incidência da norma jurídica ao caso. Quando o juiz deixa de aplicar o direito posto pelo legislador, usurpa poderes, foge de sua condição institucional.

É certo, porém, que haver-se-á de considerar situações especiais. Uma lei pode deixar de ser aplicada ao contrariar um princípio constitucional. Da mesma forma, se perdeu seu conteúdo político porque defasada, ou seja, esvaziada pelo contexto de novos costumes, perdendo o sentido político de sua criação. Ainda, atente-se para a desproporcionalidade ou ausência de razoabilidade de uma sanção legal em face da hipótese em julgamento.

Essas e outras exceções são consideráveis para o juiz negar-se a aplicar a letra fria da lei, obediência meramente formal a um dispositivo legal. Mas, cuide-se atentamente, tais julgamentos que afastam a aplicação da lei vigente obrigatoriamente devem se reportar a princípios de direito incidentes. Fora disso, constituirão mero arbítrio judicial. Nesse ponto reside o perigo da ditadura do Judiciário.

Uma democracia equilibra-se entre freios e contrapesos no exercício dos poderes de estado: Executivo, Legislativo e Judiciário. Nenhum pode se sobrepor ao outro. Se isso ocorrer ficará evidenciada a fragilidade do regime democrático em exercício em determinado momento histórico.

Recentemente, em Israel tentou-se diminuir os poderes atribuídos ao Judiciário. Em manifestação de um civismo exemplar o povo judeu foi para as ruas e obrigou o governo a adiar a votação da proposta. Ameaçava-se a democracia.

Observe-se que outra faceta pode ser apontada, altamente preocupante, ao transformar-se o Judiciário num agente de criação política, decidindo não de acordo com as leis ou os princípios jurídicos, que deveriam limitar sua atuação. Juízes transformam-se em legisladores. Passam a exercer opções políticas para decidir sobre casos concretos. Transformam-se em criadores de normas jurídicas. Inegável arbítrio.

Diga-se de passagem, o maior perigo para a liberdade democrática reside nesse abuso de poder por parte dos julgadores. A toga pode transformar-se numa arma de letalidade marcante. E isso por um motivo muito simples, e o exemplo brasileiro é sugestivo. Ao Supremo Tribunal Federal cabe a guarda da Constituição, isto é, julgar se alguma lei ofende regra contida no texto constitucional. Nossa Constituição contempla 250 artigos mais 122 dos Atos das Disposições Transitórias. E o Pretório Excelso firmou o entendimento de que sua competência abrange toda lesão direta ou indireta a dispositivo expresso na Constituição, podendo o Ministro julgador do caso, prolatar sua decisão praticamente de forma imotivada. Quer dizer: o STF julga o que quer, quando quer e da forma como entender, não sendo possível recurso de suas decisões, e muitas vezes de forma individual através de decisões provisórias. Ademais, seus integrantes não se sujeitam a qualquer sistema de corregedoria. Acaso se excedam em possíveis abusos, no máximo serão julgados por seus pares, o que nunca se viu. Em suma: os ministros do STF exercem poder quase absoluto. Ao Legislativo caberia a obrigação de neutralizar esse poder, mas omite-se. O STF é competente para julgar senadores e deputados.

Recentemente, o presidente da república em exercício gabava-se de que possuía dois ministros seus na Corte Suprema. Agora, o novo presidente nomeia seu advogado e amigo pessoal para uma vaga no STF.

Como esperar a compatibilização do sistema de poderes de nosso país com uma democracia integral? Freios e contrapesos? Não aqui no Brasil, pelo menos enquanto o Judiciário não encontra limites em sua atuação jurisdicional.

Fábio Bittencourt da Rosa
OAB/RS 5658