Possibilidade De Dedução De Despesas Com Casa De Repouso E/Ou Geriátrica Da Base De Cálculo Do Imposto De Renda Pessoa Física
O prazo para entrega da Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) inicia no próximo dia 02 de março e se estende até 29 de abril de 2022, ou seja, novamente estamos diante do ajuste anual de contas com o “leão”.
Não sem motivos, no momento do preenchimento da declaração surgem muitas dúvidas nos contribuintes. Porém, uma delas tem chamado à atenção nos últimos tempos e diz respeito sobre a possibilidade ou não de dedução, da base de cálculo do imposto, das despesas oriundas de casas geriátricas.
Pois bem, nesse artigo pretendemos, de forma prática e simples, elucidar essa questão, considerando para tanto a análise da legislação e, principalmente, da jurisprudência atualizada relativa ao ponto, que tem se mostrado favorável ao contribuinte, como veremos na exposição que segue.
Primeiramente, no que tange a legislação pertinente ao assunto, cumpre mencionar o disposto no artigo 8º, da Lei nº 9.250/95, abaixo transcrito:
Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:
I – de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva;
II – das deduções relativas:
a) aos pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias;
(…)
§ 2º O disposto na alínea a do inciso II:
I – aplica-se, também, aos pagamentos efetuados a empresas domiciliadas no País, destinados à cobertura de despesas com hospitalização, médicas e odontológicas, bem como a entidades que assegurem direito de atendimento ou ressarcimento de despesas da mesma natureza; (Grifamos)
II – restringe-se aos pagamentos efetuados pelo contribuinte, relativos ao próprio tratamento e ao de seus dependentes; (Grifamos)
III – limita-se a pagamentos especificados e comprovados, com indicação do nome, endereço e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Geral de Contribuintes – CGC de quem os recebeu, podendo, na falta de documentação, ser feita indicação do cheque nominativo pelo qual foi efetuado o pagamento;
IV – não se aplica às despesas ressarcidas por entidade de qualquer espécie ou cobertas por contrato de seguro;
V – no caso de despesas com aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias, exige-se a comprovação com receituário médico e nota fiscal em nome do beneficiário.
A disposição legal supra foi regulamentada pelo artigo 80, do Decreto nº 3.000/99, nos seguintes termos:
Art. 80. Na declaração de rendimentos poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias.
(…)
§ 4º. As despesas de internação em estabelecimento para tratamento geriátrico só poderão ser deduzidas se o referido estabelecimento for qualificado como hospital, nos termos da legislação específica.
Antes da regulamentação trazida pelo decreto acima, restava nítido que a intenção do legislador era permitir a dedução de toda e qualquer despesa médica, inclusive elencando os profissionais na alínea a, do inciso II, do artigo 8º, da Lei 9.250/95, além dos tipos despesas dedutíveis, tais como: hospitalização, médicas e odontológicas, bem como as entidades que assegurem direito de atendimento ou ressarcimento de despesas da mesma natureza, nos inciso I, do § 2º, do artigo 8º, da mesma lei, subentendido aqui, também aquelas decorrentes de casas geriátricas.
Ocorre que, na prática a Receita Federal passou, com base no § 4º, do artigo 80, do Decreto nº 3.000/99, a glosar as despesas deduzidas pelos contribuintes, cuja origem estava nos gastos com casas geriátricas, em sua declaração de ajuste anual, gerando enormes problemas para estes, que muitas vezes eram compelidos a recorrer ao judiciário para ver declarada a sua ilegalidade.
Diante disso, formou-se jurisprudência pontuando que se mostra ilegal a disposição preconizada no § 4º, do artigo 80, do Decreto nº 3000/99, ou seja, de que a internação de idosos somente seria dedutível se efetuada em estabelecimento hospitalar, uma vez que vários tratamentos/procedimentos são efetuados em estabelecimentos diversos, como por exemplo clínicas, inclusive com internação, ou até mesmo em consultório médico.
Tal entendimento, nos Juizados Especiais Federais, foi consagrado em 30 de abril de 2021, quando a Egrégia Turma Regional de Uniformização – Cível, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, decidiu, por maioria, vencido o Juiz Federal Marcelo Malucelli, dar provimento ao pedido de uniformização de interpretação de lei, sobre essa questão, nos termos da ementa que segue colacionada:
PEDIDO REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. DESPESAS COM SAÚDE. CASAS DE REPOUSO PARA IDOSOS. CUIDADOS DIFERENCIADOS. PROTEÇÃO DA SAÚDE FÍSICA E MENTAL. ART. 8, II, A, E § 2º, I, DA LEI N. 9.250/95. POSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTSO DE RENDA. ART. 80, § 4º, DO DEC. N. 3.000/99. ILEGALIDADE.
1. É ilegal a limitação estabelecida pelo Dec. n. 3.000/99, ao reduzir a abrangência legal, desde que comprovada a existência de prestação de serviços à saúde dos idosos, tais como descritos nos art. 8º, II, a, da Lei n. 9.250/95.
2. Provimento do pedido de uniformização de jurisprudência para firmar a seguinte tese: a dedução de despesas com saúde aplica-se à entidades que garantam aos idosos cuidados diferenciados, mediante o oferecimento de serviços voltados à proteção da saúde física e mental para assegurar a dignidade da pessoa humana. Os autos devem retornar à Turma Recursal de origem para adequação do julgado à tese firmada.
(PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 5005972-66.2019.4.04.7107/RS – TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO) (Grifamos)
A simples leitura da ementa acima transcrita demonstra que, a limitação estabelecida pelo § 4º, do artigo 80, do Decreto nº 3.000/99, no que tange a instituição hospitalar, foi declarada ilegal pelo judiciário, facultando ao contribuinte apenas a comprovação dos gastos oriundos com a prestação de serviços à saúde dos idosos, na forma como descritos no artigo 8º, inciso II, alínea a, da Lei n° 9.250/95, fixando assim a possibilidade de sua dedução na base de cálculo do imposto de renda.
Por fim, cabe referir que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em meados de 2018, já havia decidido nesse mesmo sentido, conforme jurisprudência abaixo colacionada:
IMPOSTO DE RENDA. DESPESAS DEDUTÍVEIS. DEPENDENTES. CASAS DE REPOUSO DE IDOSOS. 1. A dedutibilidade das despesas próprias ou de dependentes com as casas de repouso para idosos, ou tratamento geriátrico, não exige que o estabelecimento seja qualificado como hospital. 2. A dedução aplica-se para entidades que garantam aos idosos cuidados diferenciados, mediante o oferecimento de serviços voltados à proteção da saúde física e mental para assegurar a dignidade da pessoa humana, concretizando o limite material do imposto sobre a renda, que exclui da sua incidência o mínimo existencial. 3. O simples atendimento para suprir necessidades de alojamento, alimentação e lazer não autoriza a dedução porque não direcionados à proteção de direitos fundamentais da pessoa humana. 4. Mantida a sentença que anulou o crédito tributário decorrente da glosa das despesas e declarou o direito à dedutibilidade. (Apelação/Remessa Necessária; Processo: 5000331-17.2016.4.04.7200/SC; Órgão Julgador: TRF4 – PRIMEIRA TURMA; Relator Juiz Federal Alexandre Rossato da Silva Ávila; Data da decisão: 23/05/2018) (Grifamos)
TRIBUTÁRIO. DEDUÇÃO DE DESPESAS NA DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. DESPESA COM LAR GERIÁTRICO. POSSIBILIDADE. 1. A dedutibilidade das despesas próprias ou de dependentes com as casas de repouso para idosos, ou tratamento geriátrico, não exige que o estabelecimento seja enquadrado como hospital, como previsto no art. 73, § 4º, do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 9.580/2018). 2. A qualificação dos serviços, voltados ao cuidado com a saúde física e mental, já autoriza a dedutibilidade com suporte na alínea “a” do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95. Consoante precedente do TRF4: “A dedução aplica-se para entidades que garantam aos idosos cuidados diferenciados, mediante o oferecimento de serviços voltados à proteção da saúde física e mental para assegurar a dignidade da pessoa humana, concretizando o limite material do imposto sobre a renda, que exclui da sua incidência o mínimo existencial” (1ª Turma, 5000331-17.2016.4.04.7200, Relator Juiz Federal Alexandre Rossato da Silva Ávila, juntado aos autos em 28/05/2018). 3. Recurso da parte ré desprovido. (Recurso Cível nº 5034965-77.2018.4.04.7100/RS; Órgão Julgador: 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul; Relator: Juiz Federal Andrei Pitten Velloso; Data da decisão: 08/08/2019) (Grifamos)
Conforme se verifica das transcrições acima, tanto a jurisprudência do Tribunal Regional Federal como das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, alinharam entendimento no sentido de declarar ilegal o § 4º, do artigo 80, do Decreto nº 3.000/99, reconhecendo como válida a dedutibilidade das despesas decorrentes de internação em casa geriátricas e/ou de repouso para idosos.
Dessa forma, concluímos nossa análise afirmando categoricamente que, as despesas oriundas de estabelecimento voltado ao atendimento de pessoas com necessidades específicas, decorrentes da idade avançada, que presta serviços de cuidado à saúde de forma constante e emergencial e, ainda, disponibiliza profissionais da área da saúde, como enfermeiros, técnicos de enfermagem e nutricionistas, podem ser deduzidas dos valores despendidos da base de cálculo do imposto de renda, nos termos do artigo 8º, inciso II, alínea a, § 2º, inciso I, da Lei nº 9.250/95, ainda que a Receita Federal insista em glosar essa dedução.
Autoras: Iolanda Monteiro da Rosa e Danyellen Deolindo, advogadas.